A fotografia também é uma espécie de discurso. Como qualquer arte visual, ela oferece, através da imagem, a possibilidade de se contar uma história, mostrar uma cena poética, expressar a sua opinião e a sua forma de ver o mundo. No entanto, nós não recebemos anos e anos de treinamento nos elementos do discurso fotográfico como recebemos no uso de palavras e frases. Isso torna a construção e a leitura de fotografias uma tarefa que, embora pareça fácil na prática, é difícil ao se considerar as possibilidades que o idioma da câmera nos permite.

Dave R
Ao ver boas fotos, nem sempre é possível identificar os porquês de tal julgamento. Geralmente, diz-se que a foto é bonita quando aquilo que ela retrata é bonito. No entanto, a imagem é uma construção do aparelho, que tem a sua própria linguagem, podendo ser mais ou menos controlada pelo seu operador. Quanto mais o fotógrafo conhece essa linguagem e a utiliza em prol das suas intenções, maiores serão as possibilidades criativas e, provavelmente, melhor será o seu discurso. Fotografar ignorando a construção da câmera e apenas retratar o mundo é como escrever apenas copiando.
Bons fotógrafos podem trabalhar de forma que essa construção não seja percebida, fazendo com que o observador mergulhe na cena. Da mesma forma, bons escritores podem elaborar seus textos de maneira que o leitor mergulhe na história. No entanto, enquanto escritores experimentais podem ressaltar aspectos da construção do texto a fim de explicitar esse processo, criando uma espécie de metalinguagem, fotógrafos também podem tornar claros os mecanismos de ação do aparelho, impedindo que o observador caia direto na imagem e, antes, perceba a sua natureza. Na fotografia, pode-se considerar que essa conduta é importante justamente pelo fato de não sermos treinados no seu discurso.

Miles Tsang
O que chamamos de elementos da linguagem fotográfica são os aspectos técnicos implicados na construção da imagem pela câmera. Alguns, como o enquadramento, o movimento e a resolução já foram abordados em detalhes. Mas há outros, como o foco, as cores, o formato, a distância focal. Há um modelo de discurso tido como mainstream na fotografia, ou seja, uma forma de fazer consolidada. Geralmente prega-se que as fotos devem ser nítidas, o enquadramento mostre uma cena fácil de ler, o foco esteja pelo menos num ponto da foto, as cores sejam equilibradas ou sejam substituídas por tons de cinza e por aí vai. Esse modelo é difundido porque é efetivo em mostrar as coisas. As câmeras geralmente são configuradas, manual ou automaticamente, a fim de se manter dentro desse modelo. No entanto, aquele que quer exercitar a fotografia como atividade de criação, precisa entender cada um desses elementos como um leque de possibilidades, um conjunto de palavras pelas quais pode ser optar.
Valorizam-se muito, entre os amadores avançados, as câmeras que têm modos manuais de controle, ou seja, que permitem controlar foco, abertura do diafragma, ISO e tempo de exposição. Ou seja, há uma maior possibilidade de combinações, permitindo variar mais o discurso fotográfico. No entanto, muitos amadores usam o modo manual apenas para fazer eles mesmos o que a câmera faria automaticamente, ou seja, montar o discurso do mainstream. A grande vantagem dos controles manuais e permitir que cada elemento técnico seja visto como uma opção.

Joshua Gardner
Algumas pessoas se incomodam com fotografias que não usam o discurso convencional. Isso ocorre porque a fotografia, quando feita de forma a evidenciar o processo, através, por exemplo, de um corte não convencional, com a aparência dos pontos que a compõem ou com "defeitos" óticos, parece errada. Parece errada porque não obedece o mote de se criar uma ilusão quase perfeita e porque é diferente da grande maioria das fotos, que apenas mostram. Também incomoda porque a leitura é mais difícil: não basta simplesmente "ver" a cena, coisa com a qual já estamos mais do que acostumados: os elementos fora de lugar saltam aos olhos, e é inevitável dar atenção a eles, que quebram a simples ilusão e a leitura fácil. É preciso entendê-los, tais quais as palavras, e pode ser incômodo passar por esse processo.
Por certo, pode-se ser muito bom no discurso convencional, e pode-se ser muito bom sem conhecer ou experimental outros modelos. Entretanto, parece-me lógico que decodificar a construção da imagem fotográfica e recompor os seus elementos a favor do sentido que se pretende atribuir pode tornar a fala fotográfica muito mais eloquente. Ou seja, em vez de pensar em um modelo único, vale a pena conhecer as palavras e montar o próprio discurso.
Publicado originalmente no Câmara Obscura.
Fonte: http://forum.mundofotografico.com.br/index.php?topic=45216.0
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